“Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”. Lídia Jorge alerta contra o racismo e os loucos no poder

Na sua intervenção, que durou cerca de 30 minutos, citou Shakespeare, Camões e Cervantes, três autores, que a escritora considera que “perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência”.
A escritora aproveitou a ocasião para condenar o racismo, a escravatura e a cultura da mediocridade, alertando para a possibilidade de loucos atingirem o poder e apelando contra “a fúria revisionista que assalta pelos extremos”.
“O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas”, sublinhou.
A escritora destacou o facto de que “em pleno século XVII cerca de 10% da população portuguesa teria origem africana”, o que significa que “ninguém tem sangue puro e a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade”.
Para Lídia Jorge, “cada um de nós é uma soma do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco, do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou”.
“O princípio da exemplaridade, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre dignos, está a ser subvertido pela cultura digital. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende”, disse
A terminar, deixou a questão: “Pergunto pois qual é o conceito hoje em dia de ser humano, como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais”.
Jornal Sol